desenvolvimento cosmético

Como preparar formulações com maior permeabilidade cutânea e melhor eficácia

Cleber Barros
Escrito por Cleber Barros em 18 de janeiro de 2016
10 min de leitura
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Melhore a performance de suas formulações de forma prática com o preparo de lipossomas

Vamos lembrar que entre as diversas funções da pele a principal é a de proteção. A camada mais externa, o estrato córneo, desempenha uma importante função de barreira cutânea. Essa barreira deve ser bem estruturada para se evitar a perda de água (perda de água transepidermal) e a entrada de microorgarnismos e agentes inflamatórios. Uma pele saudável é uma pele que apresenta uma função barreira íntegra e funcional. Porém, essa mesma barreira protetora é a que limita [2] a entrada dos ativos cosméticos. Devido a importância do tema, bem como a dificuldade em preparar formulações com maior permeabilidade cutânea e melhor eficácia, escrevi esse artigo. Continue lendo! Aqui esclareço e ensino um pouco sobre:

  • A barreira cutânea e a penetração dos ativos;
  • Como formular bases de alta permeação;
  • Como obter maior eficácia e permeabilidade, mas sem irritação;
  • Quais as principais vantagens de formulações lipossomadas;
  • Como formular lipossomas;
  • Quais os melhores veículos para os lipossomas.

 

 

A barreira cutânea e a penetração dos ativos

Como já disse, a barreira protetora é a que limita [2] a entrada dos ativos cosméticos. Para alguns ativos com ação apenas no estrato córneo (hidratantes baseados em glicerina, por exemplo) essa barreira não é um problema, porém a maioria dos ativos utilizados na dermocosmética tem como local de ação os tecidos mais profundos da pele. Um agente clareador precisa chegar até a camada basal da epiderme onde estão localizados os melanócitos, e um agente anticelulite precisa penetrar ainda mais para alcançar a hipoderme (camada abaixo da pele) onde estão localizados os adipócitos. De acordo com sua finalidade e mecanismo de ação, cada ativo precisa chegar até diferentes camadas da pele para agir, mas precisamos entender que o passo determinante da absorção cutânea é sempre a permeação através do estrato córneo [2] e não até qual camada este precisa alcançar. A camada córnea é o fator limitante da permeação pois possui uma fase lipídica contínua e uma camada descontínua de proteínas (modelo conhecido como ‘tijolos e cimento’), sendo que essa estrutura obriga o ativo a se difundir através das bicamadas lipídicas intercelulares. Os apêndices da pele facilitam a entrada de ativos, mas não determinam a permeação pois apenas constituem 0,1% da superfície cutânea. [2] De acordo com as características químicas e físicas de cada ativo se tem uma melhor ou pior permeação pelo estrato córneo, e a sua eficácia clínica depende não só das suas propriedades mas também da sua disponibilidade no local de ação. As características da base cosmética também influenciam muito a capacidade de penetração dos ativos, e por isso os dermocosméticos com maior permeabilidade cutânea normalmente garantem melhor eficácia desses ativos.

 

Como formular bases de alta permeação

Veículos de alta permeação precisam garantir uma maior penetração dos ativos pela camada córnea e muitas vezes isso é possível pela remoção reversível da resistência da barreira da pele utilizando promotores de permeação, solventes ou tensoativos mais agressivos na formulação. Os promotores de permeação são compostos capazes de interagir com constituintes do estrato córneo e, deste modo, diminuir a resistência da pele à difusão do ativo. Assim eles promovem a alteração reversível da função barreira ou, como para os ácidos graxos, também atuam como desestabilizante dos lipídios da pele formando poros. Alguns produtos contêm elevadas concentrações de solventes, como álcool, que podem alterar o conteúdo lipídico da pele, removendo os lipídios do estrato córneo. [2] A simples adição de solventes, como o propilenoglicol e o etanol, emulsionantes aniônicos tradicionais, como o ácido esteárico e o ácido palmítico, ou outros agentes promotores de permeação, como o ácido oleico, já aumenta a capacidade de permeabilidade cutânea da sua formulação. É fácil entender que se o estrato córneo é a principal barreira à permeação dos ativos, sua remoção parcial ou temporária garante melhor penetração cutânea. Porém reduzir a integridade da função barreira aumenta a possibilidade de irritação local. De acordo com pesquisadores da Faculdade de Farmácia da Universidade de Kentucky (EUA) [3] sistemas de alta permeação dérmicos ou transdérmicos tem potencial irritativo cutâneo, podendo causar reações de irritação que incluem dermatite irritativa de contato – uma resposta inflamatória causada por exposições repetidas ou direta da pele a agentes irritantes – e dermatite de contato alérgica – resposta inflamatória um alérgeno específico mediada por células T. Essas reações podem ser leves, como eritema, edema e descamação, mas há relatos [3] até de vesiculações e queimaduras necróticas após o uso de formulações tópicas transdérmicas. Os principais fatores que contribuem para a irritação da pele incluem mudanças no pH fisiológico cutâneo, prejuízo da barreira do estrato córneo e características do veículo. [3] No artigo 4 formas práticas para melhorar a compatibilidade cutânea em emulsões cosméticas, eu mostro como evitar o potencial irritativo das formulações, o que parece impossível para as bases de alta permeação, mas há formas de se ter aumento da permeabilidade com mínima ou nenhuma irritação. O ácido oleico é um potenciador de permeação que interage e modifica lipídios do estrato córneo proporcionando, assim, defeitos de barreira no interior da bicamada lipídica, o que facilita a permeação das moléculas para as camadas mais profundas da epiderme. Porém, sua capacidade de melhorar a permeabilidade por desorganizar estruturas lipídicas intercelulares do estrato córneo não apresenta qualquer dano tóxico ou irritativo. O ácido oleico aumenta a hidratação e não é irritante. [7] Um estudo [6] comprovou por teste in vivo que uma formulação gel contendo 10% de ácido oleico não promoveu reações de eritema ou edema na pele após múltiplas aplicações, além de aumentar a permeação e a retenção na epiderme e derme, permitindo uma absorção percutânea de forma contínua e gradual. Essa ausência de irritação pode ser devido às suas propriedades hidratantes e também de compatibilidade cutânea, pois o ácido oleico é um ácido graxo insaturado naturalmente presente na pele humana. [6]

 

 

Como obter maior eficácia e permeabilidade, mas sem irritação

Entre os promotores de permeação conhecidos estão os fosfolipídios, compostos com propriedades anfifílicas que atuam como emulsionantes, mas com boa tolerância cutânea, pois também são constituintes naturais das membranas celulares (bicamada fosfolipídica). Os fosfolipídios, principalmente aqueles contendo ácidos graxos insaturados no grupo hidrofóbico, são fortes promotores de permeação. [2] Usar fosfolipídeos em suas formulações melhora a capacidade de permeação sem aumentar a irritação. A fosfatidilcolina (comumente conhecida como lecitina) é um dos principais fosfolipídios constituintes das membranas biológicas, sendo considerada segura para uso tópico. Ela é mais suave para a pele do que os ácidos graxos insaturados (como o ácido oleico), e promove aumento de permeabilidade cutânea com taxa de permeação mais acelerada mas sem alterar o padrão de distribuição dos ativos na pele; utilize em concentrações de 1% a 3% (v/v) em suas formulações cosméticas. Os fosfolipídios podem ser usados como agentes promotores de permeação, emulsionantes ou – para potencializar ainda mais a permeabilidade e eficácia de seus cosméticos – em lipossomas.Os lipossomas vêm sendo bastante utilizados na área dermocosmética. Eles podem armazenar substâncias hidrossolúveis em seu interior e substâncias lipofílicas e anfifílicas em suas membranas, e devido à sua estrutura de bicamada, semelhante à estrutura das membranas celulares, são capazes de interagir profundamente com as células da pele [1], favorecendo a permeação dos ativos.

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Fonte/Foto: Biotec Dermocosméticos

O mecanismo de aumento da permeação promovido pelos lipossomas não é tão simples de entender como para os solventes ou demais promotores de permeação, onde ocorre uma alteração reversível da função barreira ou remoção de lipídeos. A interação dos lipossomas com a pele acontece em duas fases principais [1]:

  1. os fosfolipídios ligam-se à queratina da camada córnea, recobrindo a pele com um filme lipídico, o que reduz a perda de água transepidermal e ainda aumenta a função barreira da pele;
  2. os fosfolipídios não ligados são introduzidos nas camadas mais profundas da pele, podendo ser capturados pelas membranas celulares. Assim, os lipossomas conseguem aumentar a permeação e ainda favorecer a integridade da barreira da pele.

 

A. Quais as principais vantagens de formulações lipossomadas?

Importante destacar que os lipossomas proporcionam uma penetração eficiente pela camada córnea ao mesmo tempo que diminuem o risco de absorção sistêmica dos ativos comparados com veículos comuns. Um estudo [4] comprovou que os lipossomas aumentam as concentrações do princípio ativo nas camadas da pele (epiderme e derme), enquanto reduzem a absorção sistêmica destes. Além de aumentar a permeação, os lipossomas reduzem a irritação cutânea [3], são biocompatíveis e biodegradáveis e ainda melhoram a hidratação e elasticidade da pele. [1]

 

 

B. Como formular lipossomas?

Os lipossomas podem ser preparados por simples dispersão de um filme anfifílico com agitação mecânica; sonicação, evaporação em fase reversa; extrusão, entre outros métodos. [1] Utilizando fosfolipídeos insaturados (como a fosfatidilcolina) é possível formar lipossomas em temperatura ambiente pela simples adição de água. [5] Devido a praticidade escolhemos esse último método para ensinar aqui para vocês. O tamanho dos lipossomas pode variar conforme equipamento utilizado e velocidade de agitação, por isso é importante padronizar a agitação. Se usar uma solução contendo 50% de fosfolipídeos insaturados (comercialmente disponível com o nome de Pro-Lipo® Duo) e agitação de 500 a 1000 rpm é possível obter lipossomas de 150 a 300 nm. [5] Basicamente se pesa a fase oleosa (fosfolipídeos e o ativo se este for lipossolúvel) em um béquer e verte-se a fase aquosa (água deionizada e o ativo se este for hidrossolúvel) sob agitação constante (500 a 1000 rpm) por 5 minutos. Para adicionar os lipossomas no seu veículo basta verte-los na base e agitar até total homogeneização. [5]

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Fonte/Foto: Biotec Dermocosméticos

Atenção para as concentrações [5]:

  • Para ativos termossensíveis e hidrossolúveis utilize 1 g de Pro-Lipo® Duo para cada 5 g de solução ativa.
  • Para ativos lipossolúveis utilize 1 g de Pro-Lipo® Duo para cada 0,2 g de substância lipofílica mais 1 g de água deionizada.

 

 

C. Quais os melhores veículos para os lipossomas?

Os lipossomas proporcionam maior estabilidade dos ativos, mas para garantir que eles fiquem estáveis na formulação é preciso cuidado na escolha da base dermocosmética. Os fosfolipídios podem interagir com os componentes do veículo, prejudicando sua estabilidade. Não é recomendado o uso dos lipossomas em veículos contendo altas concentrações de etanol, pois as estruturas podem ser dissolvidas pelo álcool. Além disso, ocorre solubilização dos lipossomas quando estes são adicionados a bases com altas concentrações de tensoativos. [1] Por isso se atente à quantidade de tensoativos e de emulsionantes em sua formulação para não desestabilizar os lipossomas, e evite usar emulsionantes etoxilados ou propoxilados, pois estes atuam como solventes para os fosfolipídeos. Sistemas gel ou gel-creme são mais adequados para a incorporação dos lipossomas, além de ser importante manter a formulação final em pH fisiológico.  [5]   Espero que tenha gostado desse artigo e que ele seja útil em seu aprendizado. O objetivo desse artigo é contribuir para a elevação do nível técnico de profissionais da área. Para qualquer orientação procure sempre um profissional habilitado como um dermatologista ou farmacêutico.

 

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Referências:

[1] Chorilli M, Leonardi GR, Oliveira AG, Scarpa MV. [Lipossomas em formulações dermocosméticas.] Infarma, v.16, nº 7-8, 2004.[2] Martins MRFM, Veiga F. [Promotores de permeação para a liberação transdérmica de fármacos: uma nova aplicação para as ciclodextrinas]. Rev. Bras. Cienc. Farm. [online]. 2002, vol.38, n.1, pp. 33-54.[3] Paudel KS, Milewski M, Swadley CL, Brogden NK, Ghosh P, Stinchcomb AL. [Challenges and opportunities in dermal/transdermal delivery.] Ther Deliv. 2010 Jul;1(1):109-31. PMID: 21132122 [PubMed – indexed for MEDLINE][4] Imbert D, Kasting GB, Wickett RR. [Influence of liposomal encapsulation on the penetration of retinoic acid through human skin in vitro.] J. Soc. Comet. Chem., v.45, p.119-134, 1994.[5] Literatura Biotec Dermocosméticos[6] Moreira TS, de Sousa VP, Pierre MB. [A novel transdermal delivery system for the anti-inflammatory lumiracoxib: influence of oleic acid on in vitro percutaneous absorption and in vivo potential cutaneous irritation.] AAPS PharmSciTech. 2010 Jun;11(2):621-9. PMID: 20373151 [PubMed – indexed for MEDLINE][7] Gao XC, Qi HP, Bai JH, Huang L, Cui H. [Effects of Oleic Acid on the Corneal Permeability of Compounds and Evaluation of its Ocular Irritation of Rabbit Eyes.] Curr Eye Res. 2014 Apr 21. [Epub ahead of print] PMID: 24749683 [PubMed – as supplied by publisher]

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